Um
autor e seu livro
"Liber immortalizes homine et ponit
in mente divina. Johannes: Ecce vidi libro vitæ, et nomen omnibus quæ scripta
sunt in eo. Ut mente Dei est tabula in qua scribimus a corde sanguis ac
pietas et qui diligunt nomen ejus quis".
I
Ao criar o ser humano, Deus doou-lhe parte de sua essência,
uma das quais indispensáveis, o dom da generosidade. Incontáveis são os dons
vindos do Pai, o verdadeiro Oleiro, o primeiro artesão, porque com suas mãos e
com o barro fez o Homem, em momento de profundo amor e coroando o ápice de sua
obra criativa.
Sem nenhum favor ou uso de desnecessária retórica, parece-me
que Ele se esmerou ao colocar o homem no nordeste, que une o sabor brasileiro
da unidade com um modus vivendi todo
seu, todo moldado numa cultura sui
generis, formatada na tempera rija do sertanejo queimado de sol e na
delicadeza imensurável que se esconde por trás duma valentia mais épica e
burlesca do que antropológica ou psicológica. Aliás, é nisso que reside a
beleza do ser humano, na sua feição local e regional; na sua conformação inteira
que nasce de cada estado, Nação e condição social. O traço que une tudo isso é
a certeza do amor e a necessidade de amar.
Se uma lição recebi de generosidade foi do escritor cearense
Almir Gomes de Castro. Estava eu ultrapassando uma crise diabética, com dores
nos pés e nas extremidades, visão embaçada ao extremo, e conversava sobre isso com
um seu colega, mais que isso, amigo. Sem mais nem menos, ele ofertou-me seu
livro “Kuriquiã: O romance das águas
claras”, no qual narra a epopeia romanesca de Jorge Tufic, um poeta de
sangue árabe e verso alado, cujos ascendentes radicaram-se no Acre, migraram
depois para o Amazonas e agora fixaram-se no Ceará.
Mas é bom que se fale de Almir Gomes de Castro. Cearense da
gema, embora bem formado e dotado de boa cultura, ele traz desde a superfície da
epiderme até a medula as boas tradições daquele Ceará bravio, decantado por
Catulo da Paixão Cearense, Antônio Salles, Juvenal Galeno, Gerardo Melo Mourão,
Américo Facó, Humberto Teixeira (o grande parceiro de mestre Lua Gonzagão), com
Patativa do Assaré na prateleira de cima. Francisco Sá, mineiro de boas letras
e cultura, após breve carreira política em Minas, radicou-se lá nas plagas
cearenses, onde conubiou-se com Olga Nogueira Accioly, filha do potentado local
e descendente dos mandatários sertanejos do Cariri-Juazeiro. Como pesquisador
de genealogia brasileira, recorro sempre as fontes cearenses que reputo de
boníssima procedência, entre eles João
Brígido, Barão de Studart e Francisco Augusto de Araújo Lima, são dos mais
frequentes.
Médico traumato-ortopedista e anestesista de nomeada em
Fortaleza, ele vive mesmo é de emendar nervos, costurar carne, lenir dores e
emendar ossos. E... ossos do ofício, ele descansa escrevendo.
Nele impera o verbo claro, a narrativa viva e o amor latente
pela sua terra. Assim vejo.
II
O livro “Kuriquiã”, é quase que um
roteiro cinematográfico, com imagens vivas e diálogos bem estruturados, num
história baseada num enredo emocionante e pulsante de vida. Partindo das
origens familiares e clânicas dos Tufic, povo de terras longínquas e
diferentes, tão distantes do risco geográfico do Ceará quanto a Lua do Sol.
A Enciclopédia Delta Universal, registra o seguinte
sobre a origem da família Tufic:
Toufic, em árabe: توفيق, é um nome tradicional dado ao gênero
masculino. É o equivalente hebraico תוביק do macho de nome Tovik ou Tuvik. Ambos os nomes nascem do semítico
antigo e significa "bom", "êxito", "Deus está bem com
você", "reconciliação" ou "boa fortuna". É também plausível
como um sobrenome. Registram-se as seguintes variantes de escrita e pronúncia: Toufik,
Toufick, Tofik, Tofic, Tofick, Tovik, Tovic, Tovick, Touvik, Toviq, Tufic,
Tufik, Tufick, Tuvik, Tuvic, Tuvick, Tuviq, Taufic, Taufik, Taufick, Tawfiq,
Tawfik, Tawfic, Tawfick, Tewfik e Tefik. "Toufic" e "Tovik"
são semelhantes a "Tobias", segundo várias transliterações.
Acho que Almir Gomes de Castro, em momento feliz, resolveu
botar no papel a alma e a biografia desse grande poeta, cuja revolta genética trasmuda
em alta sensibilidade poética e compreensão humana, porque vindo de uma parte
do globo fértil em conflitos clânicos e religiosos. Acolhidos no Brasil, terra
de contrastes sociais e políticos, mais de uma democracia humana e econômica de
rara amplitude, sentiram-se envoltos pelo manto da acolhida e o aconchego do
amor do povo acreano. À isso Tufic devolveu em versos de inspirada feição canônica
no soneto em poemas lindíssimos que nascem da sua fina sensibilidade.
Mas o livro não é uma biografia, e sim uma história romanceada
do poeta, alado e contido ao mesmo tempo.
Perpassando as páginas, vai se enredando na Amazônia lendária,
densa e quente, tropical e nebulosa, cujos cantares o autor transcreve em seu
texto límpido e escorreito.
Muito apropriadamente, o ilustre Caio Porfírio Carneiro diz
que o livro é um bom roteiro de filme. Agente o livro e participa das pescarias
e das aventuras dos ribeirinhos, Salazar, Ritinha, Estevam, Dr. Hélio Abreu, o
velho Libório... São muitos personagens, porque a estória pulsa na correnteza
da memoria de Almir, que as derrama sobre o papel. Sem compromisso com a
chatice da descrição histórica e cronológica, ele traça um perfil biográfico bem
acabado do poeta Tufic, dando como pano de fundo a Amazônia misteriosa e
acontecimentos históricos brasileiros e internacionais. Mas sem dar aula de
história. O sabor do livro reside nisso.
O romance de uma vida também é um canto de esperança. O termo
final é lindo, denso e especialmente terno, embora remeta à Caverna do Inferno.
III
Grato aqueles que registraram
impressões sobre seu precioso livro, o autor reúne ao final do texto uma farta
fortuna crítica, com nomes consagradas da nossa literatura e opiniões bem
abalizadas emitidas sobre seus vários escritos. Fez muito bem, embora que foi
muito oneroso para o autor, engrossando o caudaloso romance.
Prova maior de que o traço maior da sua personalidade é
mesmo a generosidade. Aproveito para agradecer a obra e a viagem proporcionada
pelo romance de sua lavra. Aprendi a ser mais brasileiro com o cearense Almir. Pena
que nada posso ensinar. Mas agradeço pela graça da audiência e o privilegio da atenção.
É o que sinto após a leitura de seu “Kuriquiã”.
Dr. Almir Gomes de Castro, contista, romancista e poeta, além de cordelista. O amor a medicina e a literatura norteiam sua vida. |
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