Dedicatória do blog



Dedico esse blog a memória dos inesquecíveis VICENTE ANTUNES DE OLIVEIRA e Dr. MURILO PAULINO BADARÓ, amigos desta e d'outra vida!!! Ambos estão presentes na varanda da minha memória, compondo a história de minha vida, do meu ser e da minha gênese! Suas vidas são lições de que se beneficiariam, se fossem conhecidas, grandes personalidades e excepcionais estadistas. Enriqueceram o mundo com suas biografias e trouxe ao mundo a certeza que fazer o bem é possível, até mesmo na POLÍTICA!


Dedico também a meu trisavô Firmo de Paula Freire (*1848-1931), um dos maiores servidores da república no vale do Jequitinhonha, grande luminar da pedagogia da esperança!

Nossa Legenda

Nossa Legenda
Nossa Fé e Nosso FUturo

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Homenagem a uma extraordinária figura humana


EXEMPLO DE UMA VIDA
DEDICADA A VOCAÇÃO


Valdivino Pereira Ferreira
Escritor e folclorista



Tenho falado muito dos mortos, daqueles que já habitam a pátria celestial, e hoje quero falar de vivos, especialmente de uma extraordinária figura de mulher. Quando a conheci era apenas uma figura ilustre no contexto social, pois exercia o mandato de vereadora à Câmara Municipal de Turmalina, aliás, a terceira mulher a exercer o cargo de vereadora e a primeira a exercer a função de secretária. Sua história de luta a transformara numa legenda, seu amor a profissão de professora a fizera respeitada aqui e alhures, sua devoção a competência a transformara num símbolo que a todos inspiravam e convergia para auscultar o sentido das coisas e o âmago espiritual das indagações várias que oprimiam suas colegas de profissão. Era uma liderança, não imposta, mas aceita pela profundidade da sua cultura e da sua verve, como acontecem com aqueles que lideram pela força das idéias e do intelecto e não pela força da ditadura do poder político ou partidário.


Foi assim que a conheci: Menino de roça, fui ao NAI (Núcleo de Ação Integrada), procurar o “Diário Oficial de Minas Gerais”, e lá a vi, múltipla e dinâmica — professora, agente cultural, poeta, escritora, coordenadora, vereadora — como se muitas fosse, a ordenar-coordenar-delegar, de forma firme e correta. Custei me fazer entender por aquele vernáculo tão distante de minha realidade de menino rural. Tentei beber da fonte e matei a sede, essa sede intelectual que me persegue desde o berço, e fiz o trabalho escolar mais elogiado da sala, depois da Escola Estadual Badaró Júnior e em seguida levado a todas as escolas para leitura, com direito a autógrafo de prefeito, vereadores e seu “Vicente Antunes”. Falava sobre Tancredo Neves, assunto em voga, então. Depois veio entrevistas sobre doutor Hugo, Tibeco Antunes, história de Turmalina... Reforma agrária, constituição de 1988, cidadania... Meu Deus, como a incomodei, quase sempre em busca do “Minas Gerais”, folheado e rasgado pelos leitores displicentes, mas cuidadosamente arquivado por ela.

Foi depois, bem depois, que soube ser ela minha parenta. A partir daí, uma nova convivência, já sob o influxo do parentesco, da reminiscência afetiva e familiar, cujos meandros vovó Cecília, sabia de cor e salteado. Aninha do Acácio, Sinh’Ana do Juca Lunardo, Maria do Juca Ferreira, Juca Lionardo, laço e entrelaço que vovó recitava com indisfarçado orgulho, como se ostentasse com isso um brasão e uma árvore que lastreasse a sua história pessoal e enobrecesse a sua condição familiar de mulher “da nobreza da terra”.

 ***

Todo esse rodeio, esse preâmbulo, é pra falar de Neick Lopes. Mulher extraordinária, cuja fronteira devocional entre a profissão e a vida pessoal, por diversos e variados fatores, está indistinta e mal delimitada, porque uma funde-se na outra em perfeita simbiose. Perfeito exemplo de casamento com a profissão, talvez até naquele pensamento freudiano do reflexo e da projeção, cujo pendulo percorre sempre para ocupar o nosso alter-ego naquilo que nos falta. Lembro-me de um amigo, ex-padre católico de profunda cultura humanística e literária, que me alertava para o perigo de minha projeção em Nossa Senhora, figura de mãe e de mulher centralizada em minha vida, amalgamada em meu 'eu' psicológico. Mas isto é outra história.

Maria Neick da Piedade Lopes, que traz desde o batismo amalgamado na sua alma a reminiscência do antigo nome da nossa terra, foi filha do legitimo matrimonio de Leopoldo Lopes de Macedo e de Josina Godinho dos Santos. Seus avós, tanto maternos quanto paternos, foram pessoas de bom conceito social e econômico, em Turmalina, que muito contribuíram para o progresso da nossa terra. Paternos: capitão Antônio Lopes de Macedo – Xatinho – e sua esposa Adélia Pinheiro Lopes. Maternos: Acácio Aarão dos Santos e sua esposa Ana Godinho dos Santos, antes assinava-se Ana Godinho da Rocha.

Acompanhando os pais, fixou-se em Diamantina, onde o genearca exercia a hotelaria, recebendo a todos de alma e coração abertos. Depois, obedecendo ao espírito profissional e o amor a terra natal, voltou a Turmalina, principalmente para exercer a direção do Ginásio Estadual, depois renomeado como Escola Estadual Américo Antunes de Oliveira. Cumprido seu período, foi para a sala de aula, sua verdadeira vocação, voltando depois ao exercício da direção escolar. Foi aí que a conheci.

Posso dizer que Turmalina nunca possuiu uma agente cultural que ultrapassou a estatura de Neyck, tanto em volume produzido quanto em sentido espiritual. Acostumou a colocar a alma no que faz, entregando-se completamente naquilo que empreendia. Na Igreja, lá estava. Na escola, lá estava. No social, lá estava. Nos projetos, lá estava. Na política, também. Talvez com Neyck, a mulher de Turmalina adquiriu, por força do exemplo, plena consciência de cidadania. Tambem, ainda no campo conjetural, a educação em Turmalina, guiada por mãos e vocação de fada aliada a um quadro de profissionais verdadeiramente vocacionadas, foi elevada a condição de excelência em que está hoje.

Mas onde sua ação se fez notar foi mesmo na "Biblioteca Ler é Preciso", motivo de predileção atual e de sua busca filosófica atemporal. Acho até que ali é a extensão da sua casa, e o convívio profissional com as bibliotecárias, a extensão da sua família. A literatura nos liberta e a poesia nos concede o dom do vôo, da planagem e da viagem gostosa pelos caminhos do etéreo, sonho a que todos nós aspiramos, agora ou no futuro.

***

Mas, de fato, onde olho lá está Neick. Firme, resoluta, dona de uma vontade férrea e de uma crença que se recusa a abalar pelas forças do não. Ainda bem. Pois mirando em seu exemplo muitos de nós encontramos motivos para o continuo exercício de nossas vocações. Para ela, nesse momento, são nossos pensamentos, agradecimentos e orações. Ah... também as homenagens do "Projeto Resgate Memorial", para onde a convidamos, face ao extraordinário trabalho de âmbito pessoal que desenvolve.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Um necrologio



A DESPEDIDA DO PASTOR D. ENZO


Ao findar o “dia Mundial das Missões”, aquele que teve por missão pastorear o povo de Deus na diocese de Araçuaí, termina também a sua carreira terrestre, já aspirando desde já, passar pelos umbrais da pátria celeste. Dom Crescênzio Rinaldini, italiano de boa cepa da província e diocese de Bréscia, incrustada entre as regiões do Vêneto e Mântua, nasceu aos 27 de dezembro de 1925, sendo seus pais o honrado casal Luduvico e Corina Rinaldini. Segundo informou-me seu amigo e confidente padre Carlos Badaró, que terá a difícil missão de abrir seu testamento após as exéquias, ele tinha apenas uma irmã, dona Franca Rinaldini, que faleceu há exatos dois meses (agosto de 2011). Criado sob o influxo da fé, desde cedo sua vocação foi despertada de maneira firma e clarividente, porque teve seus passos guiados por uma fé familiar tradicional e baseada no sagrado magistério da Igreja, como era comum acontecer no seio das famílias latinas naquele tempo. Após passar pelos caminhos esperançosos e espinhosos da vida do seminário, receber a primeira e segunda tonsura, e concluir com zelo e acuidade os cursos de Teologia e Filosofia, guiados pelos mestres e doutores da Igreja, recebeu as ordens sacerdotais sob a imposição das mãos do bispo diocesano de Bréscia, em 26 de junho de 1949. Repetiu-se com ele o mesmo ritual que se repete na Igreja Católica, desde a época em que Cristo Jesus ordenou seus discípulos no inicio do seu ministério terrestre, fundamento da fé da religião Católica Apostólica Romana.

Foi ele um dos baluartes da Igreja na sua fase transicional, vinda do impacto da “Segunda Grande Guerra” e do Concilio Tridentino, no vendaval daquela fase mais agressiva da chamada “romanização” empreendida por Pacelli e Bento XIV, principais construtores do “Código Canônico da Igreja Católica”, encetado em 1917, mas de forma mais eficaz, a partir de 1932. O ápice da incrementação desse código na Igreja inteira se deu em pleno apogeu do delírio hitlerista na Alemanha, e no conturbado papado de Pio XII (cardeal Pacelli). Se a Igreja pré-tridentina foi uma entidade mais próxima do leigo, propiciando uma fé mais próxima da sua realidade sócio-geográfica, com enorme poder dado às confrarias e ordens terceiras, especialmente as Irmandades do Santíssimo e do Amparo e as Ordens do Carmo e São Francisco; entretanto, isso se deu com o prejuízo da atuação do clero, que se via tolhido. Antes, longe do braço do Vaticano, era enorme o poder das benzedeiras sobre o povo e do curandeirismo mítico cristalizado nas massas, que a partir do Concilio de Trento ((1545—1563), convocado pelo papa Paulo III, passou a ter um clero mais presente e uma autoridade mais dinâmica, amputando os amplos poderes laicos da comunidade local na administração paroquial. O resultado disso, segundo críticos abalizados, foi uma igreja toda centrada sobre a figura clerical, deixando o povo de Deus como mero expectador. Isso durou até o Concílio Vaticano II (1961—1965), convocado pela bula papal “Humanae salutis”, de João XXIII, o papa de transição que deu novo método ao caminho da Igreja e que produziu profundas reformas no centro teológico da Igreja.

Foi nesse modelo que o padre “Enzo”, na força da madureza intelectual e física, dono de profundo aprendizado teológico, filosófico e humano, empreendeu em sua vida mais um sentido profundamente espiritual: vir para o Brasil, especialmente para a diocese de Araçuaí, no médio vale do Jequitinhonha, região assolada pela seca, pela doença endêmica de Chagas e pela pobreza extrema e humilhante que grassava desde a nascente até a foz do rio Jequitinhonha. Primeiro, ele prestou úteis e bons serviços a Deus e à seu povo, na paróquia de São Roque de Itaobim. Ali, ele demonstrou a força do seu amor ao sacerdócio e a pureza da sua fidelidade a Igreja de Cristo, que preferiu o amor e a defeza dos pobres, optando preferencialmente por eles na década de 1970, em Puebla, do que prestar a reverência covarde e cômoda aos ricos e poderosos, ébrios da idolatria da pecúnia. Depois, guiado pelo influxo do Espírito Santo, o santo papa João Paulo II, o elevou à dignidade de Bispo, em 1981, para pastorear as almas carentes e espoliadas que viviam no risco geográfico da pobríssima diocese de Araçuaí, e que vivia espiritualmente os seus “quarenta anos de travessia pelo deserto”. Tomou posse em maio de 1982, logo após a sagração, e seu apostolado foi dos mais fecundos que a nossa diocese conheceu. Homem profundo e simples ao mesmo tempo, dom Enzo, lembra a um só tempo, as figuras solares de Santo Agostinho e de São Francisco. Santo Agostinho, pela ânsia de saber e pelo gosto de ensinar; São Francisco, pelo gosto da simplicidade, pelo amor as coisas do espírito e pela inarredável força da doação que habitava o seu corpo físico.

Agora que ele parte para a pátria celeste, prêmio a que aspira os justos e os puros de coração, dele se poderá dizer ou inscrever em seu túmulo como imorredouro epitáfio: “Nasceu como todos, viveu como os justos e adormeceu na morte como os santos, aspirando com suas obras o prêmio da vida eterna”. O clero do Brasil vive um luto dolorido e o vale do Jequitinhonha perde um de seus filhos honorários mais ilustres e combativos. A Igreja Católica fica mais pobre na sua composição humana e terrestre, o céu fica mais brilhante com a sua chegada. Como os padres da Igreja que dom Enzo viu na infância e mocidade, repito pela fé que recebi também pela tradição familiar —“Pax animae tuae, nunc et semper, amen! Homem de Deus e do povo.


O pastor de humanas ovelhas, com sua batina cinza que
contrasta com o rigorismo das antigas vestes sacerdotais
negras e distantes, mostra pelas janelas de seus olhos e
a força de suas palavras, a sua condição de homem simples
e humilde, condição primária de um servo de Deus a serviço
da Igreja e de seu povo. 

Qual destes homens é o mais ilustre filho de Turmalina?