EXEMPLO DE UMA VIDA
DEDICADA A VOCAÇÃO
Valdivino Pereira Ferreira
Escritor e folclorista
Tenho falado muito dos mortos, daqueles que já habitam a pátria celestial, e hoje quero falar de vivos, especialmente de uma extraordinária figura de mulher. Quando a conheci era apenas uma figura ilustre no contexto social, pois exercia o mandato de vereadora à Câmara Municipal de Turmalina, aliás, a terceira mulher a exercer o cargo de vereadora e a primeira a exercer a função de secretária. Sua história de luta a transformara numa legenda, seu amor a profissão de professora a fizera respeitada aqui e alhures, sua devoção a competência a transformara num símbolo que a todos inspiravam e convergia para auscultar o sentido das coisas e o âmago espiritual das indagações várias que oprimiam suas colegas de profissão. Era uma liderança, não imposta, mas aceita pela profundidade da sua cultura e da sua verve, como acontecem com aqueles que lideram pela força das idéias e do intelecto e não pela força da ditadura do poder político ou partidário.
Foi assim que a conheci: Menino de roça, fui ao NAI (Núcleo de Ação Integrada), procurar o “Diário Oficial de Minas Gerais”, e lá a vi, múltipla e dinâmica — professora, agente cultural, poeta, escritora, coordenadora, vereadora — como se muitas fosse, a ordenar-coordenar-delegar, de forma firme e correta. Custei me fazer entender por aquele vernáculo tão distante de minha realidade de menino rural. Tentei beber da fonte e matei a sede, essa sede intelectual que me persegue desde o berço, e fiz o trabalho escolar mais elogiado da sala, depois da Escola Estadual Badaró Júnior e em seguida levado a todas as escolas para leitura, com direito a autógrafo de prefeito, vereadores e seu “Vicente Antunes”. Falava sobre Tancredo Neves, assunto em voga, então. Depois veio entrevistas sobre doutor Hugo, Tibeco Antunes, história de Turmalina... Reforma agrária, constituição de 1988, cidadania... Meu Deus, como a incomodei, quase sempre em busca do “Minas Gerais”, folheado e rasgado pelos leitores displicentes, mas cuidadosamente arquivado por ela.
Foi assim que a conheci: Menino de roça, fui ao NAI (Núcleo de Ação Integrada), procurar o “Diário Oficial de Minas Gerais”, e lá a vi, múltipla e dinâmica — professora, agente cultural, poeta, escritora, coordenadora, vereadora — como se muitas fosse, a ordenar-coordenar-delegar, de forma firme e correta. Custei me fazer entender por aquele vernáculo tão distante de minha realidade de menino rural. Tentei beber da fonte e matei a sede, essa sede intelectual que me persegue desde o berço, e fiz o trabalho escolar mais elogiado da sala, depois da Escola Estadual Badaró Júnior e em seguida levado a todas as escolas para leitura, com direito a autógrafo de prefeito, vereadores e seu “Vicente Antunes”. Falava sobre Tancredo Neves, assunto em voga, então. Depois veio entrevistas sobre doutor Hugo, Tibeco Antunes, história de Turmalina... Reforma agrária, constituição de 1988, cidadania... Meu Deus, como a incomodei, quase sempre em busca do “Minas Gerais”, folheado e rasgado pelos leitores displicentes, mas cuidadosamente arquivado por ela.
Foi depois, bem depois, que soube ser ela minha parenta. A partir daí, uma nova convivência, já sob o influxo do parentesco, da reminiscência afetiva e familiar, cujos meandros vovó Cecília, sabia de cor e salteado. Aninha do Acácio, Sinh’Ana do Juca Lunardo, Maria do Juca Ferreira, Juca Lionardo, laço e entrelaço que vovó recitava com indisfarçado orgulho, como se ostentasse com isso um brasão e uma árvore que lastreasse a sua história pessoal e enobrecesse a sua condição familiar de mulher “da nobreza da terra”.
Todo esse rodeio, esse preâmbulo, é pra falar de Neick Lopes. Mulher extraordinária, cuja fronteira devocional entre a profissão e a vida pessoal, por diversos e variados fatores, está indistinta e mal delimitada, porque uma funde-se na outra em perfeita simbiose. Perfeito exemplo de casamento com a profissão, talvez até naquele pensamento freudiano do reflexo e da projeção, cujo pendulo percorre sempre para ocupar o nosso alter-ego naquilo que nos falta. Lembro-me de um amigo, ex-padre católico de profunda cultura humanística e literária, que me alertava para o perigo de minha projeção em Nossa Senhora, figura de mãe e de mulher centralizada em minha vida, amalgamada em meu 'eu' psicológico. Mas isto é outra história.
Maria Neick da Piedade Lopes, que traz desde o batismo amalgamado na sua alma a reminiscência do antigo nome da nossa terra, foi filha do legitimo matrimonio de Leopoldo Lopes de Macedo e de Josina Godinho dos Santos. Seus avós, tanto maternos quanto paternos, foram pessoas de bom conceito social e econômico, em Turmalina, que muito contribuíram para o progresso da nossa terra. Paternos: capitão Antônio Lopes de Macedo – Xatinho – e sua esposa Adélia Pinheiro Lopes. Maternos: Acácio Aarão dos Santos e sua esposa Ana Godinho dos Santos, antes assinava-se Ana Godinho da Rocha.
Acompanhando os pais, fixou-se em Diamantina, onde o genearca exercia a hotelaria, recebendo a todos de alma e coração abertos. Depois, obedecendo ao espírito profissional e o amor a terra natal, voltou a Turmalina, principalmente para exercer a direção do Ginásio Estadual, depois renomeado como Escola Estadual Américo Antunes de Oliveira. Cumprido seu período, foi para a sala de aula, sua verdadeira vocação, voltando depois ao exercício da direção escolar. Foi aí que a conheci.
Posso dizer que Turmalina nunca possuiu uma agente cultural que ultrapassou a estatura de Neyck, tanto em volume produzido quanto em sentido espiritual. Acostumou a colocar a alma no que faz, entregando-se completamente naquilo que empreendia. Na Igreja, lá estava. Na escola, lá estava. No social, lá estava. Nos projetos, lá estava. Na política, também. Talvez com Neyck, a mulher de Turmalina adquiriu, por força do exemplo, plena consciência de cidadania. Tambem, ainda no campo conjetural, a educação em Turmalina, guiada por mãos e vocação de fada aliada a um quadro de profissionais verdadeiramente vocacionadas, foi elevada a condição de excelência em que está hoje.
Mas onde sua ação se fez notar foi mesmo na "Biblioteca Ler é Preciso", motivo de predileção atual e de sua busca filosófica atemporal. Acho até que ali é a extensão da sua casa, e o convívio profissional com as bibliotecárias, a extensão da sua família. A literatura nos liberta e a poesia nos concede o dom do vôo, da planagem e da viagem gostosa pelos caminhos do etéreo, sonho a que todos nós aspiramos, agora ou no futuro.
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Mas, de fato, onde olho lá está Neick. Firme, resoluta, dona de uma vontade férrea e de uma crença que se recusa a abalar pelas forças do não. Ainda bem. Pois mirando em seu exemplo muitos de nós encontramos motivos para o continuo exercício de nossas vocações. Para ela, nesse momento, são nossos pensamentos, agradecimentos e orações. Ah... também as homenagens do "Projeto Resgate Memorial", para onde a convidamos, face ao extraordinário trabalho de âmbito pessoal que desenvolve.