ELIZABETH RENNÓ: A MAGIA DA PALAVRA
Valdivino Pereira Ferreira
Escritor, poeta, ensaísta (Turmalina)
Venho de ler o livro “Palavras e Parábolas”, de Elizabeth Rennó, das maiores e melhores poetisas mineiras da atualidade, cujo estro amanhecente pode muito bem ser comparado ao de Yeda Prates Bernis, Stella Leonardos, Henriqueta Lisboa, Cecília Meirelles, Cely Vilhena, Carmem Sheineder Guimarães, Ângela Togeiro, Clevane Pessoa e Lívia Paulini. O céu poético de Minas brilha dado o imenso potencial de suas poetas e o enorme cabedal contido em suas montanhas.
O livro tem início com o pórtico lúcido e bem contido de José Afrânio Moreira Duarte, que tinha verdadeira veneração pela poesia de Elizabeth Rennó, chamando a atenção inclusive para o ótimo ensaio que ela havia escrito como tese de sua formatura na UFMG, intitulada “A aventura surrealista de Ledo Ivo: Invenção e descoberta”, publicada pela Academia Brasileira de Letras, no volume 11 da Coleção Afrânio Peixoto, em 1988. Realça o erudito crítico mineiro a faceta ímpar de Elizabeth Rennó, que trilhando o ensaio e a crítica da mais alta poética de Lêdo Ivo, depois também ouviu os apelos para o artesanato lúdico da poesia e a tessitura das palavras. Parece-me feliz as palavras de José Afrânio acerca dessa maga das palavras, cuja composição poética atinge altura inacessíveis para poetas medianos.
As poesias de “Palavras e parábolas” são letras e códigos, que em sentimento, magia e enternecimento transmudam em nós as inspiradas palavras bíblicas. As sábias sentenças bimilenares do Cristo atinge o coloquial e o cotidiano de forma simples mas transcendente nas poesias bem compostas de Elizabeth Rennó, cuja fé adquire o tom do visível e a verbalização exata em consonância com o seu sentido espiritual. Buscando a transcendência, ela parte para o âmago das palavras, cuja fibra ela sabe tecer em tear de mágicas tranças e em lúdico compor / cantar. A vida cotidiana passa por seus olhos de forma altruísta, com objetivos altos e bem arraigados em nosso imaginário, transpondo-os para os objetivos da pureza poética.
Toda boa poesia é um exercício de amor, de viagem etérea e transcendental. E nisso Elizabeth Rennó extravasa, derrama poesia em cântaros, como o primeiro vinho do milagre de Jesus. E sua poesia em cântaro inebria e alegra o espírito porque nos alimenta a alma. A poeta professa uma fé inabalável em Deus e em sua criação, como nestes versos:
“Se a montanha não me vem
a minha fé a remove
consolidada
em atos de amor”.
O poema não é só belo. É também instrutivo, buscando conjugar nossa fé com o necessário olhar pelas coisas belas ao nosso redor e em nossa vida. Ensina a poeta que não precisa construir prédios poéticos inacessíveis ao entendimento do leitor comum, basta apenas uma boa disposição de palavras aliada ao exercício da técnica da confecção. Ela bem o demonstra na seguinte sentença de seu livro analisado, no poema dedicado ao sagrado ato do comer, ocasião em que celebramos um pacto ─conosco e com Deus pela e para a nossa sobrevivência física─, base de nosso espírito, porque o corpo físico é a casa de nossa vivência espiritual de agora que se projeta rumo ao futuro:
“Lavo a maçã com cuidados
Tiro-lhe o pó
e o germe
jogo água fervente
para esterilizar
A fruteira de cobre
é esfregada com sal e limão
polida com pano macio
até que brilhe
e reluza
Sentam-se à mesa
os comensais
de mãos limpas
e faces
após as alocuções
A toalha imaculada
as travessas impecáveis
Assim reza a tradição
que não se honre com os lábios
em mascaras de insensatez
e distanciado esteja o coração
do que deve ser louvado
Ò meu pai e minha mãe
que por mim só foram lembrados
nada mais fiz a favor
Só o que vem de dentro contamina
nosso corpo interior
As malvadezas do mundo
incorporam
o horror de estar em vida
poluída.”
Tenho para comigo que Jesus ficou feliz com o sentido dado à suas palavras pela poeta mineira. O livro é exíguo, apenas 54 páginas. Porém dentro está contido incontáveis palavras sábias, porque uma sentença sábia extravasa as fronteiras do nosso cérebro e reverbera por todo o nosso corpo, em nós e no mundo. Degustando o livro o leitor fica mais perto de Deus, porque suas parábolas estão mais próximas das nossas palavras e nossas palavras mais perto da concretude. Elizabeth Rennó, poesia boa que só.
Sobre a autora: Elisabeth Rennó Fernandes de Castro Santos é natural de Carmo de Minas, filha do casal José Remuzat Rennó e Olga Fernandes Rennó, e viúva do engenheiro Fernando de Castro Santos. Graduada em Letras Português-Inglês e Pós-Graduação, especializando-se em Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da universidade Federal de Minas Gerais, obtendo o título de Mestre em Literatura Brasileira com aprovação da dissertação “A Aventura Surrealista de Lêdo Ivo: Invenção e Descoberta”, em 1985. Além disso exerce bem a crônica, o conto, a novela, o ensaio, sendo também ótima conferencista. Pertence as Academia Municipalista de Letras e Feminina de Letras de Minas Gerais, e a Academia Mineira de Letras tendo tomado posse na cadeira 21, em 2004.