O
encontro com Elizabeth Rennó é sempre um exercício de inefável prazer de viver
o momento e do convívio em si. Ler seus livros é enveredar-se pelos caminhos
dos sonhos, subir ao paraíso e despencar das nuvens rumo ao êxtase. Sua
formação literária, naturalmente, aprimorou-lhe o dom inato e a vocação
latente, para as letras e a poesia. Discreta ao extremo, aliás, discretíssima,
ela tem o porte nobre das lady’s inglesas e desfruta da boa conversação de uma
pessoa de vasta cultura e profunda sensibilidade. Em boa hora e justiça ao seu
labor literário, a UBE-RJ concedeu-lhe o “Prêmio
Nacional de Leitura, categoria Poesia 2013”.
Recebi
seu livro “Quatro estações mais uma”, em ótima edição da Editora Aldrava Letras e Artes, sediada
em Mariana. Visualmente o livro está lindo, materialmente o livro está rico.
Trabalho gráfico de alto valor, diagramação e visual maravilhoso, num trabalho
esmerado da editora. A arte da capa um trabalho impecável de Andréia Donadon
Leal (Deia Leal). Nada demais vindo de Elizabeth Rennó. Se ela é boa na prosa,
na poesia ela tem se mostrado realmente maravilhosa. Seu estro não se diminui em
momento nenhum, ao contrário tem sido elevado às alturas em seus livros mais
recentes. Salvo melhor juízo, nessa altura da vida, parece-me que a poeta quer
celebrar seu viver outonal com fortíssima ascendência em sua fase primaveril. E
o faz magistralmente. Pois é no outono, hoje um período maravilhoso na vida
feminina em função da tecnologia e do avanço médico-científico, que as mulheres
se fixam em beleza e mistério, em sabedoria e acuidade, numa união maravilhosa
de experiência e aprendizado, combinados com uma solidez impressionante de
inteireza da vocação; além da compreensão humana e psicológica advindas de seus
verões e invernos pregressos. Vê-se numa leitura panorâmica da obra o intenso
prazer de viver que a autora demonstra em suas composições, o amor latente com
que celebra as coisas cotidianas da vida e o valor que tributa às liras de
Parnaso. Sobe ao Olimpo para celebrar a poesia e mantém a capela das deusas do
poema em alfaias de luz e em altar de brilhante. Porque sabe que ainda há que
viver, há mais para amar, um mar de celebrações a esperar, um oceano de futuros
e amanhãs para sonhar. Bendito outono, gostosa primavera rediviva entre sonhares
e cantares, emanados de um coração acostumado a amar, apaixonado pelo belo e em
busca do engrandecimento da divindade plantada nos seres humanos.
Colho
aqui e ali exemplos de composições bem acabadas saídas de sua pena aurea,
brotados na derme da sua sensibilidade e nascidos da sua alma. Dou por exemplo
o poema “Ao poeta”, na página 14:
“No
príncipio, o Verbo
Palavra
encarnada
Transmutação
idealizada
Traducao
arquetípica
Origem
das origens
Alfa
cosmogônico...
...
surge a figura do poeta
Ser
predestinado
O
que vê além e mais alto...”
Não
é preciso comentar o poema. Ele fala por si. O leitor sente, pressente e
entende o recado. É lúdico e alto, é belo e celebrativo ao mesmo tempo. Nos
poemas em que celebra a palavra, embaixatriz da alma e extensão do espírito,
onde ela alarga o sentimento e exalta esse dom advindo de Deus. Profunda
conhecedora da língua, inculta e bela na sentença clássica de Olavo Bilac
(*1865—†1918),
ela o faz com maestria a junção da palavra e a exaltação do ser como prova da beleza e afirmação líricas. No poema “Fuga”, página 33, ela diz:
“Em
traços regulares
e
limites contidos
tentei
aprisionar
as
silabas
e
os fonemas
de
comportadas palavras...
Palavras
são
poderosas
na
amplidão da essência
na
liberdade
que
cria
razão
de existência.”
Em
outra parte, a que intitulou “Ser”, ela penetra em si e se mostra por inteira, em momentos
de grandeza psicológica e espiritual para enviar seu recado à quem queira ouvi-lo e
entendê-lo. Em “Amor presente”, página 78, ela derrama sobre o papel parte de
seu coração comprometido com a paz e com o amor:
“Um
gesto
um
olhar
o
sentido
do
amor presente
em
ato superposto
ao
carinho da origem
a
companhia diligente
o
saber fazer concreta
a
intrínseca consistência
do
ser.”
O
final do livro desfaz-se em mistério, pressentimento e celebração. Quatro são as estações do ano que ela usa como metáfora para a vida e parábola para a educação do sentimento. E mais uma! Qual seria
essa estação inominada? Com certeza não é verão nem inverno, muito menos
primavera ou outono. Poderia ser a espera ou a certeza. A espera da colheita e
a certeza de haver plantado, o trigo do amor e o centeio da paz; e também de amassar
o pão eucarístico com o vinho da esperança. A seara da vida foi bem cultivada por Elizabeth Rennó, que zelosa de sua produção poética e de sua prosa esmerada, vem conquistando galardões com sua pena caprichosa. O tempero da esperança é o sabor principal de seus poemas. A transcendência almejada por ela é perfeitamente alcançada.
Em
espaço tão curto, não dá para dar vazão à tudo que nasce da leitura de livro tão
profundo. Cala no coração, fixa na mente. Mais uma vez Elizabeth Rennó nos
encanta com sua poesia. “Ut videre, ut
ego sentio, et dicere volo”, como na sentença latina.
Elizabeth Rennó, numa bela fotografia, para a posteridade... |
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