FOLGUEDOS FOLCLÓRICOS NO JEQUITINHONHA.
2 – DANÇA DE FITAS
A
tradição da “Dança de Fitas” ou Pau de Fitas é muito antiga, advinda dos povos
arianos, bretões e celtas, em datas que remontam os anos antes de Cristo, que
foi trazida ao nosso país pelos portugueses e para a America Latina como um
todo, pelos espanhóis. Quase todos os países também a praticam, do México até a
Argentina, especialmente nas festividades rurais ou das colheitas. As culturas
célticas e gôdas a praticavam com graça e gosto, segundo escritores franceses;
e ela ocorre também no Portugal Medieval e nos reinos que compunham a atual
Espanha. Motivados pelas fartas colheitas e a fecundidade dos campos, os
camponeses se reuniam em festas ruidosas e alegres para externarem sua gratidão
aos deuses da colheita e da fartura, cujo mastro central tinha componente
simbólico fálico, além de intercalação de homem e mulher para a coreografia
principal, que é o trançado de fitas coloridas com um mastro ao centro,
enfeitado de flores (com uma guirlanda coroante) e de cujo topo partem fitas
multicolores, em números pares e tantas quantas forem os participantes,
geralmente o casal, "lindamente
enfeitadas e bem vestidas", segundo assevera um cronista do século XVIII.
Os participantes pegam as pontas livres das fitas e executam o bailado cuja
coreografia segue o ritmo dos instrumentos musicais, como sanfona, violão e
pandeiro. Os dançarinos trançam e destrançam as fitas, de variadas cores, formando
interessantes desenhos, quase todos próximos ao xadrez e ao retângulo, pela
intercalação das cores e conexão das fitas. No Brasil, a dança faz parte das
festividades natalinas, das colheitas e juninas (todas do ciclo das colheitas e
nascimento) mas também, é pode ser dedicada às árvores.
Consta sua ocorrência
em vários municípios do vale do Jequitinhonha, especialmente em: Turmalina,
Minas Novas, Araçuaí, Medina, Itinga, Januária, Janaúba e Montes Claros. Hermes
de Paula, o folclorista norte mineiro, dá ela com ocorrência em Montes Claros e
nos distritos daquela região sertaneja. Manuel Esteves também dá a sua
ocorrência em Grão-Mogol, Cristália e Rio Pardo de Minas desde os primevos
tempos. Segundo Luiz da Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro,
1972), em alguns lugares do nordeste, “a
dança é conhecida como Trançado, Engenho ou Moinho”. Dela dá-nos notícia
Manuel Ambrósio, em seu livro “Brasil
Interior: Palestras Populares” (Brasiliana – SP, 1934), acerca de sua
ocorrência no vale do São Francisco.
Em Turmalina, segundo
consta, ocorre desde o século XIX, nas festas religiosas e em todos os ciclos
do ano. Num escrito de 1894, Monsenhor João Antônio Pimenta (*1859—†1946),
então vigário de Piedade de Minas Novas, dá notícia das festas de Santo
Izidoro, padroeiro dos lavradores, “onde
dançavam congos, vilão e trança-fitas”. Militão Fernandes d’Andrade,
violeiro de talento, foi o chefe desse folguedo até o ano de 1899,
provavelmente o ano de sua morte. Entre 1870/1899, era liderada por D. Maria
Antônia de Jesus (*1832—†1899), conhecida como dona Maria Caxambú; Francisca
Maria de Jesus, Chica Caxambú (mãe da precedente); Rita Cordeiro de Oliveira
(esposa de Miguel Cândido de Macedo) e Altina Maria de Castro. Depois, entre
1910-1934, por Bemvinda Lopes de Macedo, Maria do Quintino, Maria Pinheiro de
Carvalho, Joana Vieira de Carvalho e outras. No terceiro ciclo, já passou a ser
liderada por Sebastião Gomes Ferreira da Trindade, José Teixeira, João Rocha,
Carlos Ferreira Pinto e outros mais. O falecimento de alguns deles e a mudança
de Sebastião Trindade, deixou o folguedo em letargia, só passando a ser dançado
nas festas a partir do meado da década de 1980, reavivado pelos Viana e a turma
de seu Antônio da Arlete, num esforço conjunto com estudantes que gostavam de
dança e teatro.
Seus versos são rápidos
e dinâmicos, acompanhados por sanfona, violão, cavaquinho, prato e reco-reco. A
modalidade que é cantada em Turmalina é ramo do tronco nascido no Rio Grande do
Sul, com a clássica “Meu Boi Barroso”, dos pampas sulinos e divisantes com o
Paraguai. Sua letra mais conhecida é a seguinte:[1]
Eu mandei fazer um laço
Do couro do jacaré
Pra laçar meu boi barroso
No cavalo pangaré
Eu mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga
Pra laçar meu boi barroso
Lá no alto da restinga
Adeus priminha que eu vou-me embora
Não sou daqui, eu sou lá de fora
Meu boi barroso, meu boi pitanga
O teu lugar, ai, é lá na canga
Meu cavalo malacara
Tem andar de saracura
Não tropeça e nem se espanta
Viajando em noite escura
Hoje é dia de rodeio
De churrasco e chimarrão
Venham ver a gauchada
Reunida no galpão
Adeus priminha...
Eu mandei fazer um laço
Do couro do jacaré
Pra laçar meu boi barroso
e meu cavalo pangaré
Eu mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga
Pra laçar meu boi barroso
Lá no alto da restinga
Eu mandei fazer um laço
do couro da capivara
Pra laçar meu boi barroso
No cavalo malacara
Eu mandei fazer um laço
Do couro do graxaim
Pra laçar meu boi barroso
Mas só lacei o capim
Adeus priminha...
Tudo isso com versos locais
intercalados. Em Santa Catarina, usa-se
com freqüência os versos abaixo, segundo consta de uma publicação recente de
folclore:
O amor quando nasce
Parece uma flor
É tão delicado
Tão cheio de amor
Seria tão bom
Que ele fosse uma flor
Sem ter espinhos
Da dor
Depois que tudo
É sonho ao luar
Começam os desencantos
O amor passa a existir
Nessa voz do nosso canto...
Como se pode ver, esse folguedo é antigo e pode ser produto da intensa
mobilidade humana do brasileiro, cujo comércio humano não conhece distâncias
nem fronteiras ao levar suas lendas e suas estórias onde que se estabeleçam.
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