O AMOR AO LIVRO (*)
Valdivino Pereira Ferreira
Ainda as coisas do espírito ditam nossa conduta no mundo da transcendência. Impressionou-me a quantidade de bons livros adquiridos e conservados pela vida afora pelo notável mineiro Vivaldi Wenceslau Moreira, homem de boas letras e apaixonado pela boa literatura. Vivadi Moreira, que nas horas de descanso do corpo partia para o reino de parnaso exercitando-se como escritor, foi essencialmente um bom advogado, dos melhores que Minas produziu, e presidiu de forma lúcida e transparente a Academia Mineira de Letras por mais de duas décadas, dando a ela realce entre as suas congêneres brasileiras. Menino pobre, cujos pergaminhos de nobreza construiu pelo esforço próprio, foi sem dúvida alguma um lídimo representante de seu tempo e de sua geração, encarnando em seu proceder todas as qualidades do mineiro tipico, estudado magistralmente pelo sociólogo Alceu Amoroso Lima. Arquétipo perfeito dos lúcidos varões retratados na antiguidade por Plutarco, ele foi parte da riqueza humana inconteste de Minas. Dele se pode dizer que enobreceu a sua grei e que ilustrou a sua terra, na boa concepção de Cícero, o sábio grego que viveu antes de Cristo.
Conversando com seu Adão, que gozou da intimidade do ilustre escritor por muitos e muitos anos, pude ver a extrema modéstia que emoldurava seu caráter e o amor apaixonado que devotava aos bons livros. “seu Vivaldi”, de camisa imaculadamente branca, ficava horas e horas limpando-os, abrindo-os e admirando-os, fisicamente ao lê-los e espiritualmente ao meditá-los. Bons livros instruem, educam o sentimento e dão saúde ao espirito, segundo denotamos pelos exemplos dos antigos.
Nos escaninhos da memória, trago nas retinas de meus olhos espirituais uma leitura que fiz à algum tempo, do “O menino da mata e seu cão Piloto”, publicado em 1981. são memórias, onde o autor traça um painel rico e bem-composto de sua existência, iniciando pela infância na Fazenda do Tanque, adquirida de sua avó materna, e depois dissolvida entre a prole numerosa, dentre eles o 'seu ' Pedro Moreira, o genearca, fazendeiro e comerciante arruinado em 1929, na esteira do longínquo crack da bolsa de Nova Iorque e da subsequente depressão econômica norte americana. O menino Vivaldi apaixonou-se com o “Novo terceiro livro de leituras”, de Hilário Ribeiro, cujas páginas do livro eram um convite ao sonho e ao inexplorado, abrindo-lhe as portas do mundo, “viajou” pela Europa: conheceu Paris, Gênova e Veneza, dentre outras. Vivaldi, nos caminhos da memória, traçou num caderninho de leitura iniciado em 1933, todos os livros que lia.
O falecido acadêmico José Afrânio Moreira Duarte, grande ensaísta e crítico literário, amigo de Vivaldi, realçava sua prodigiosa memória em conjunção com o extremo bom gosto pela escolha do que lia. O mesmo me falava o ex-presidente Murilo Badaró, que adotou inclusive o seu método de leitura, possibilitando o aproveitamento completo do que se lia.
Tal amor e devoção aos livros, faz-me lembrar de Aristóteles, que não sendo rico, gastou muitos sestércios comprando bons livros mesmo sem a aprovação da esposa. Platão, segundo testemunho de seus discípulos, amava mais a biblioteca da sua casa do que a cozinha administrada por sua esposa. Certa vez, ele comprou por seiscentos sestércios uma obra, que era muito dinheiro. Mas do livro se paga apenas o papel, a tinta, a imagem, a editora, a gráfica, o competente artista que trabalha as letras e a imagem. Porém é impossível pagar os bons conselhos e a boa cultura derramada no papel pelo artista da palavra, em prosa e poesia, cujo valor intelectual e espiritual é incalculável.
Vivaldi, sem trocadilhos, continua vivendo, porque o espírito não morre. Porque ele viveu para o espírito e com o espírito. O amor às coisas do espírito o imortalizou e talvez seu “Adão”, seja o psicógrafo informal dele.
(*) Publicado na "Voz de Diamantina", 25.02.2012.
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