Valdivino Pereira
Ferreira
Ainda
ressoa nos meios intelectuais o recente lançamento do “Dicionário do dialeto rural no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais”,
pela Editora UFMG, autoria da professora Carolina Antunes. Trata-se de assunto
complexo embora a autora simplifique o assunto no titulo de seu precioso
trabalho. Não se trata apenas de registro do dialeto falado no vale do
Jequitinhonha. Registra-se os falares, os folguedos, a cultura local e
regional, a religiosidade popular, as festas tradicionais religiosas e
profanas, os ditos e sentenças do povo. Enfim, um ementário valioso e de pronta
consulta por pesquisadores, literatos e curiosos. A autora cometeu alguns
equívocos, comum aos professores que produzem pesquisa a partir de material
recolhido por outrem. Cito por exemplo, o verbete “Cabeça da Jibóia”, onde o
leitor, na parte em que a autora usa o material recolhido para aboná-lo, deixa
transparecer que “Cabeça da Jibóia e Vilão” se referem ao mesmo folguedo. Mas
isso é de menos. Talvez tal aconteça pela autora eleger o etimologista Antônio
Geraldo da Cunha como a autoridade máxima de seu estudo, ao invés de arrolar
outros autores, talvez mais difíceis de serem encontrados nas estantes de
qualquer biblioteca, mas indispensáveis num estudo dessa dimensão. Frei Viterbo
(*1741†1822), Pedro José da Fonseca com seu “Dicionário português latino” (edição de 1772), as revistas do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838 até os dias atuais), - entre
outros, são indispensáveis para quem se embrenha em tarefas dessa magnitude.
Maynard Araújo, Melo Moraes (pai), Sílvio Romero, Pereira da Costa, Nelson de
Senna, Francisco Badaró (com seu precioso “Fantina”, romance de costumes,
1883), são excelentes repositórios e registradores de costumes, indispensáveis
ao pesquisador ou ao esteta que se aventure a rabiscar obras desse jaez. Não os
vi alistados na bibliografia consultada pela autora. Lembro por exemplo, que
Francisco Badaró (*1860†1921), escreveu interessantes artigos para os jornais
de Diamantina, Teófilo Otoni e Montes Claros, versando sobre folclore e
costumes. Nelson de Senna, além de livros e opúsculos de sua lavra, deixou
inúmeros artigos na “Revista do Arquivo Público Mineiro”.
Notei
a falta de vários verbetes que seriam de extrema valia. Vou citar dois.
Primeiro: “Purunga”, palavra herdada dos escravos africanos, que designa a
cabaça usada para armazenar água. Veio da Bahia colonial, espraiou-se pelo
hinterland norte-mineiro no ciclo do ouro e desaguou no século XX. Segundo:
“Cabôco”. Cantiga folclórica fixa ou de improviso, com tirada e resposta à
quatro vozes distintas – primeira, segunda, contralto e riquinta. Em fila, o
primeiro grupo canta a louvação e o segundo grupo também de quatro vozes,
responde no mesmo estilo. Manifestação muito antiga surgida da variação da
folia, do catira e do “drão” dos rurícolas paulistas, vindas com os
bandeirantes paulistas e povoadores do Jequitinhonha ainda no século XVIII.
Outra variação do “cabôco” seria o “Quatro”, cantado por quatro pessoas também
em quatro. Tão antiga quanto o “cabôco”, pronuncia errônea de caboclo.
Mais
o livro cumpre o seu papel principal: difundir o conhecimento e o confronto de
idéias. A autora, dona de estilo agradável e ameno, escrita correta e elegante,
enleada pelos meandros da pesquisa, cometeu equívocos. Apenas equívocos que não
comprometem o livro, mas que devem ser sanados numa possível segunda edição da
obra, mesmo porque acreditamos que ela será referência d’agora em diante, aos
pesquisadores de história e folclore do Jequitinhonha. Louve-se entretanto o
trabalho da autora na hercúlea tarefa de organizar palavras e verbetes, além de
remexer velhos baús em busca dos arcaísmos da língua, costumes e da vida da
nossa gente. Isso é o que vale, isso é o que fica.
Serviço:
“Dicionário do dialeto rural no Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais”, Carolina Antunes. Editora da UFMG – Rona
Editora, 2013. 271 Pp. Ilustradas, Preço: R$ 65,00.
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