Dedicatória do blog



Dedico esse blog a memória dos inesquecíveis VICENTE ANTUNES DE OLIVEIRA e Dr. MURILO PAULINO BADARÓ, amigos desta e d'outra vida!!! Ambos estão presentes na varanda da minha memória, compondo a história de minha vida, do meu ser e da minha gênese! Suas vidas são lições de que se beneficiariam, se fossem conhecidas, grandes personalidades e excepcionais estadistas. Enriqueceram o mundo com suas biografias e trouxe ao mundo a certeza que fazer o bem é possível, até mesmo na POLÍTICA!


Dedico também a meu trisavô Firmo de Paula Freire (*1848-1931), um dos maiores servidores da república no vale do Jequitinhonha, grande luminar da pedagogia da esperança!

Nossa Legenda

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Nossa Fé e Nosso FUturo

segunda-feira, 5 de março de 2012




SABIÁS DE AGOSTO


Para vovó Cecília,
Personagem deste conto.



As palmas ressoaram fortes no grande terreiro da sala, envolto em um estaqueado de achas de aroeira, ressoaram mais fortes ainda pelos cômodos do casarão da velha Fazenda Santo Antônio da Caiana. O viajante, vindo das margens do rio Araçuaí, cansado da jornada e suando a cântaros, já até havia se sentado no grande alpendre de pedra, quando dona Ercília de Paula chegou à porta do senhorial solar do capitão Juquinha Lionardo. Cumprimentaram-se efusivamente os dois primos em primeiro grau, de pequena diferença de idade, quase malungos que eram. Joaquim de Castro, moço de seus vinte anos, pouco menos, pouco mais, tinha tratado o casamento com tia Joana, irmã um pouco mais moça que dona Ercília. Após breves amenidades, notícias de “tio” Tristão rabugento major da Guarda Nacional, que de farda a todos recebia na Fazenda Cordeirópolis “tia Mariquinha”, e as novidades do arraial da Piedade, seguida da entrada solene na casa do já familiar noivo. Ercília voltou aos afazeres domésticos, deixando na agradável companhia dos convidados o mano mais velho João Paulo.

Lá no quintal, defronte da grande cozinha, orgulho de toda casa sertaneja que se preze, nos pés de laranja “seleta”, “china meiã” e ‘flor’, os sabiás de peito amarelo trinavam insistentemente, enquanto dona Ercília, embalada pela seresta matinal daqueles pássaros, preparava o almoço, baseado na canjiquinha de milho púbo e pilado na gangorra movida pelas águas do córrego da “Matutagem” que descia cantarolando encosta abaixo e fazia o serviço sem reclamações num intenso subir e descer; canjiquinha com costeletas de porco cevado e feijão preto refogado em banha de porco quentíssima, cujo cheiro de alho recendia por todos os quadrantes da casa, num convite ao apetite, à gula, ao afrodisíaco e prazeroso ato de degustar ou comer essas guloseimas sertanejas, nadando em banha. Couve picada bem fininha e refogada em banha e alho; mostarda rasgada na canjiquinha ou “engrossado” de fubá, também de milho púbo; torresmo para o primordial “escaldado”, preparado antes do almoço com o caldo do feijão antes do preparo para a degustação final, no almoço ou jantar. Irmã das mais velhas numa família de doze irmãos, Ercília havia ficado na casa paterna após ter se casado e o marido, por infelicidade das parcas, haver falecido queimado numa “coivara”, quando limpava o roçado para plantar feijão da seca, em 1942, deixando dois filhos órfãos, a mais velha com dois anos e o mais novo com dois meses. Os pais já haviam falecido, ambos há menos de três anos: a mãe, D. Maria, prima segunda do preclaro Bispo Cirilo de Paula Freitas, falecida em 1939, e o pai, o velho capitão da Guarda Nacional Juquinha Lionardo, em 1941. Os irmãos já a estavam incomodando para que arranjasse novo casamento, mas devido a grande afeição que devotava ao morto, ainda não parado para pensar em novo conúbio. Entretanto, Joaquim, noivo de Joana, trazia em sua companhia um amigo, moço de ótimos predicados e afeito ao trabalho, bom requisito para um bom casamento naquela década que mediou o século XX. José Francisco era seu nome, moço de seus vinte e nove anos, que sem perceber ―ambos sem perceber― se sentiram sensivelmente atraídos um pelo outro.

José Francisco era baiano de nascimento, nascido no distrito de Brejo das Almas, distrito do termo da cidade de Paramirim, na zona mineradora do sudoeste da Bahia, filho de retirantes das terríveis secas que assolaram o solo baiano entre 1925 e 1926. Possuía parentes em Piedade de Minas Novas, termo da comarca e cidade de Minas Novas, que vieram fugindo da pregressa estiagem de 1890, e ali tinha sido acolhidos pelo coronel Juca Pinheiro, grande fazendeiro e chefe político. Protegidos pelo coronel Juca, tinham afazendeirado à margem do rio Araçuaí, no ribeirão da Boa Vista, uma imensidão de terras. Era a fazenda “São João Batista da Boa Vista do Araçuaí”. José Francisco era homem grande, olhos claros, mãos grandes e calejadas, corpulento e rijo, cabelos pretos lisos e brilhantes, voz abaritonada e agradável, extremamente educado e de modo elegantes. Não era nenhum galã, mas jeito inspirava em Ercília uma grande confiança, uma das artimanhas de Cupido.

Vindo sem maiores condições financeiras da sua pátria baiana, os pais de José Francisco, como ficou dito, arribaram em terras do tenente Manuel Trindade, seu tio por este ser casado com a irmã de seu pai – a tia Chiquinha. E o tenente também tio de sua mãe – d. Rôla – pois o avô materno era irmão do tenente Trindade. Seguindo a velha tradição avoenga, já havia tratado o casamento com uma neta do tenente, Lilia – filha de seu primo Honorato, que como o pai, havia se tornado em grande fazendeiro local – Fazenda dos Nunes.

Ercília só o havia visto duas vezes. Ambas na loja do capitão João Machado, que ficava na rua direita da vila Turmalina de Minas Novas. Na ocasião, acompanhava os pais, que faziam compras de roupas, untensílios e viveres. A mãe – dona Josefa ou d. Rôla – parenta chegada dos Baroes de Caetité, comportava-se como verdadeira dama, não demonstrando a decadência financeira sofrida com a perda das terras de Paramirim e o gado que dizimou-se nas secas, sem pasto e água: luvas nas mãos; botinas de pelica, amaciadas com sebo de boi que reluzia ao sol de setembro; xale preto jogado caprichosamente ao ombro, ainda relembrando nessa imaginaria ainda os tempos do império; vestido bufão e negro, tão ao gosto das senhoras de família do século XIX e meado do XX. Acompanhada de perto do filho José Francisco, e pelo marido, para todos o “Graúdo”. Manuel Graúdo. O velho, este sim, circunspecto e grave, falante sem ser vulgar, dono de ótima prosa e sabias sentenças sertanejas, acessível e carinhoso com toda a criançada que passava pelo local.

Mas Ercília não sabia que José Francisco havia tratado casamento. A cerimônia ocorreria em 12 de setembro de 1942. Não ocorreu. Na volta ele desfez o noivado com a prima.

Na varanda, emoldurada ante os jasmineiros do quintal interior, pelas nove horas da manhã, recendeu o cheiro alvissareiro do almoço, almoço sertanejo – de nove horas da amanhã e após o desjejum matinal. Logo, todos entraram a cear, sendo que José Francisco, muito envergonhado, pediu para ser servido e o prato levado até a sala. Cozinha não era reino democrático, só os íntimos penetravam. Ercília assim o fez. Ao entregar-lhe o prato, não pôde deixar de notar certa amistosidade, recíproca, um no olhar do outro. Os olhos não mentem, o coração também não.

No dia treze de dezembro de 1942 casaram-se na mesma sala onde Ercília serviu-lhe a saborosa comida de sua arte, juntamente com suas irmãos mais novas: tia Lilia com José Leão; tia Jana com o Castro. Lá fora os sabiás cantavam efusivamente e as laranjeiras perfumavam todo o ambiente. Para um casamento de 50 anos, até parece que Deus não podendo comparecer em corpo presente, mandara aqueles embaixadores musicais – violas de penas no dizer do poeta Catulo – para fazer coro naquele ato sagrado onde uma trindade se unia em amor e confiança, em Deus, no homem e no amor. Emoldurado com a saudade, Ercília traz até hoje, guardado em baú muito seguro, seu tesouro precioso e sentimental: o lencinho que serviu de guardanapo naquele almoço. Nele tinha bordada a palavra amor.

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Qual destes homens é o mais ilustre filho de Turmalina?